sexta-feira, 24 de maio de 2013

Ex-pectativas(tarja preta)

A força rebelde da aurora da juventude,
a força pulsante, da paixão pelo que acreditava,
tudo se foi.

Fala pausadamente, não chora de alegria,
não ri das tristezas.
só pondera.

Posa para fotos, pousa sob as datas
pensa sem divagar.

Criou um breu nos olhos, uma armadura dura,
fria e áspera,
 mas escorregadia.

Que a protege de esperar em esperanças.
que a destituiu das ilusões,
as boas e as nem tão boas assim.

E hoje em dia, das expectativas,
virou expetadora.

É um ser comum,perdida em um cotidiano pacato,
rodeada de pessoas que a substituiriam em menos de um passo.

E

Morre todo dia, só por que,
por ela, ninguém morreria.

terça-feira, 21 de maio de 2013

LIVRO (eu gosto é do gasto)


   Encontrou-o sob pés, ao acaso, em uma arrumação noturna no armário. Macio, jogado, suplicante.
   No mais, era uma bagunça iminente... o armário, a casa, a vida. Tudo espalhado, tudo muito, e sem nenhum cabresto de ordem.Mais de 48 livros haviam despencado daquelas prateleiras ao abrir da porta,e justo ele encostava suavemente suas histórias grafadas nas solas cautelosas de seus pés descalços.
   Olhou com um misto de curiosidade e medo.Lembrava dele, das histórias dele, das histórias com ele.

   Do dia que o lera e que por ele se apaixonara. Eram frescos em sua memória. Os personagens tão bem elaborados,mais familiares do que deveriam, mais parecidos com os que ela conhecia do que seria possível..
   Chegou a atribuir vozes a eles, e por elas se apaixonou também.
   Lembrava de seus trechos favoritos, de tudo que sua cabeça falara para si enquanto os lia, do que tinha e dos que tinha em sua vida naquele momento.
   Lembrava de te-lo lido compulsivamente até cair no sono, vezes chorosa, vezes esperançosa, tomando apenas o cuidado de guarda-lo sob o travesseiro. Para protege-lo, para te-lo perto, velando seu sono.
   Então leu um trecho. Escolhido a esmo, tal qual a página.Logo ele. Tantas vezes recitado, tantas vezes chorado,tantas vezes...como naquele dia. Aquele dia com ele.

   Ao aproxima-lo de si, examinou as páginas gastas de uso. Orelhas marcadas, manchas de café, manchas de olhos que marejaram, e cheiros. Cheiros dele, Cheiros dela.Cheiros de tudo que ele viu dela. E antes dela, e...
   Ah, os cheiros! Quão inebriantes são os cheiros da memória e da melancolia.
   Mil aromas diferentes invadiam agora a narina investigativa daquela menina.
   Eram cheiros e cheiros, aromas e aromas... do uso diário, do descuido do armazenamento, cheiros do mofo, do tempo. Cheiros do tempo passado. Cheiros de sentimento.

  Podia senti-los no colo nu tão logo pressionou aquelas páginas amareladas e melancólicas contra o peito.
  Acarinhavam-na.
  Sim, cheiros são possíveis de tocar uma tez saudosa. Cheiros tem tato!

  Cerrou os olhos, e meneou a cabeça para trás, tramando os lábios num gemido quase silente. Embriagado.
  O coração palpitava fazendo o peito mover-se como bossa. Como coração amante.
  Eram amantes.
  Aquelas histórias, aquelas lembranças, aquela cousa à que ele remetia a fez apaixonar-se perdidamente outra vez. Evoca-las assim , sem amanho, sem aviso prévio, era como um beijo.

  Um beijo roubado de quem ama fervorosamente. Furtivo,do tipo que não respeita as intensidades das coisas sãs e as atropela com eloquência.
  Mergulhada naquele passado inebriante, lembrou-se dele.
  E lembrou-se uma vez mais, antes de fechar definitivamente a contra capa e abafa-lo na prateleira.
Para sempre.